A newsletter dessa semana, traz os posts do silencionoestudio.com.br diretamente pra sua caixa de email. Leia os textos que saíram no nosso site entre 23 e 27 de junho.
SMiLE e o custo histórico da perfeição
Por Vinícius Cabral
O "álbum que nunca existiu" possui ao menos duas versões quase definitivas. Como resultado deste conjunto, teríamos o maior álbum de todos os tempos?
Pode um álbum que, tecnicamente, não existe, ser considerado o maior de todos os tempos? A resposta curta é: sim.
Essa é uma discussão eterna, que até me lembra a menção recente que fiz aqui à história do grupo japonês Les Rallizes Dénudés – a banda que tinha como meta nunca lançar um registro fonográfico tradicional. A incompletude de SMiLE tem origens específicas, porém, e bem diferentes; o perfeccionismo enlouquecedor de Brian Wilson, as expectativas em torno do grupo após o lançamento de Pet Sounds, etc. Mas os efeitos são similares, e apoiam-se na construção de uma mística ímpar.
É preciso dizer que, abandonado, SMiLE foi completamente desidratado, e lançado apenas com algumas músicas (a maior parte em versões diferentes das que seriam as originais) no álbum Smiley Smile, em 1967 (sendo que o hino Surf’s Up ficou para o disco homônimo, de ’71). Depois disso, apenas em 2004 o projeto foi retomado devidamente, agora com o próprio Wilson apresentando sua versão “definitiva” e finalmente completa da obra. Aclamadíssimo por todo mundo, o lançamento ainda deixava algo a desejar.
Foi só em 2011 que um grupo de técnicos e músicos continuou a saga, com a consultoria de Wilson, que deu aval ao processo. Este trabalho se condensou no projeto The Smile Sessions. Um box set com 5 CDs, contendo quase todos os fragmentos gravados de SMiLE. O CD 1 é a tentativa até hoje mais aproximada de reconstituição daquilo que deveria ter sido o álbum original. Até Wilson admitiu que a tracklist e o fluxo entre as canções é realmente bem próximo daquilo que deveria ter sido. Embora ele ache sua própria versão, de 2004, melhor. Aí entra um aspecto essencial; em 2004 Brian regravou o disco todo, da forma como o havia imaginado. A reconstituição feita no Smile Sessions teve como matéria prima as fitas originais, e pôde preservar muito mais o sentimento intencionado lá atrás, em 1967.
O CD 1 conta com 19 faixas, dispostas em 3 movimentos, como foi originalmente planejado: movimento 1 – Americana (de Our Prayer a Cabin Essence); movimento 2 – o ciclo da vida(de Wonderful a Surf’s Up); movimento 3- elementos (de I Wanna Be Around/Workshop a Good Vibrations). A lógica entre as faixas e a circularidade dos temas não deixa dúvidas: havia algo gigantesco ali. Era inclusive tecnicamente impossível que tal álbum fosse lançado comercialmente com integridade conceitual em 1967. Com 48 minutos, ele teria que ser compilado em um álbum duplo. Curiosamente o formato CD nos permitiu, em 2011, acessar a obra em um fluxo que provavelmente nem poderia ter sido preservado em seu tempo original, mas que se assemelha bem mais ao que o artista pretendia.
As canções falam por si. Gee emenda na centralidade de Heroes and Villains, no primeiro movimento. No segundo, o diálogo entre Look (Song For Children), Child Is Father Of The Man e Surf’s Up arrebata. Mais pro final do álbum, Love To Say Dada retoma o tema vocal de Gee, para culminar em Good Vibrations – canção que teve vida própria para além de SMiLE, e cujo processo de gravação e pós-produção define muito o que foi (ou não foi) o próprio SMiLE: uma coleção de fragmentos muito bem concatenados.
Absolutamente atormentado pela sua própria genialidade incontrolável (e incontrolada) Wilsoncolore todo este percurso com algumas das melhores e mais perfeitas canções que já foram compostas – casos, certamente, de Heroes and Villains, Wonderful e Surf’s Up. Mergulha na dialética Adulto/Criança, colocando a criança como pai do homem. E assim ele vai, da infantilidade quase demente de Vega-Tables à seriedade transcendental de Surf’s Up. Briannão estava brincando aqui. SMiLE era tão gigantesco, que não pôde sequer ser completado.
O mais próximo que chegamos disso foi com este primeiro CD de The Smile Sessions. E que bom que hoje temos essa oportunidade. O que acontece é que o aspecto inacabado desse fluxo de canções é, sob a luz da história, muito mais apropriado à ideia de álbum (e de um álbum conceitual, acima de tudo) do que muito do quê ouvimos nos álbuns “acabados” saídos da mesma época. Mesmo em Pet Sounds, com sua perfeição meticulosamente calculada. Ouvido a partir de 2011, O SMiLE que pôde existir talvez seja tão grande quanto aquele que não existiu. Se estas faixas ouvidas hoje, a partir de um trabalho quase arqueológico, se completam num conjunto tão intrincado, fascinante e, por que não dizer, perfeito, não vejo motivo algo para não catapultar a famosa “obra que não existe” ao patamar que ela realmente merece. E considera-la, finalmente, uma obra acabada, à sua própria maneira.
Ainda tomado pelo luto coletivo que se segue à perda de Brian Wilson, esta é mais uma humilde contribuição em direção à compreensão mais completa o possível deste gênio incomparável. Brian vive eternamente em cada nota de sua magnum opus. E se foi, atormentado e inacabado como ela.
Com os motores regulados
Por Márcio Viana
Depois de uma estreia visceral com Kick Out The Jams, o MC5 adentrou a década de 70 lapidando o seu som em estúdio, mas se mantendo influente para a geração seguinte.
Seguir padrões nunca foi muito a onda do MC5. Basta que se leve em conta que a banda estreou em gravações com um disco ao vivo, o seminal Kick Out The Jams, com a virulência que era indispensável a um grupo precursor do que viria a ser o punk rock na segunda metade da década de 70.
Mas o quinteto de Detroit, lançando seu segundo álbum – e portanto o primeiro de estúdio – em 1970, precisava mostrar do que era capaz, mantendo o ímpeto rebelde, mas demonstrando algum virtuosismo.
Em sua formação clássica, que incluía os guitarristas Wayne Kramer e Fred “Sonic” Smith, o vocalista Rob Tyner, o baixista Michael Davis e o baterista Dennis Thompson, com apoio do tecladista Danny Jordan, o grupo gravou Back in The USA sob a batuta de Jon Landau, crítico musical que à época iniciava no trabalho como produtor musical, alcançando seu auge um pouco depois, pelos trabalhos em parceria com Bruce Springsteen.
Landau tinha aversão pelo rock psicodélico, e neste trabalho com o MC5 buscou uma sonoridade mais voltada ao rock das décadas anteriores. Basta considerar a abertura do álbum, uma cover de Tutti Frutti, de Little Richard, e o encerramento com a faixa-título, regravação de Chuck Berry.
Entre as composições próprias do grupo, destaque para a balada blues Let Me Try, mas com espaço para a crítica social, como em The American Ruse, com letra que ataca a concepção do governo estadunidense sobre liberdade (se soa familiar e atual, considere que sempre foi isso mesmo). Também houve espaço para criticar o envolvimento dos EUA na guerra com o Vietnã em The Human Being Lawnmower.
De certo modo, e com influências distintas, talvez o virtuosismo do MC5 dentro de uma atmosfera que pedia uma sonoridade mais crua e direta, só tenha encontrado paralelo com o The Clash alguns anos depois.
Após Back in The USA, o grupo lançaria High Time em 1971, e passaria mais de 50 anos sem gravar um álbum, quebrando esse hiato somente em 2024, com Heavy Lifting, em uma formação que só tinha Wayne Kramer com novos músicos, e a participação de Dennis Thompson em algumas faixas. Porém, ambos – os dois únicos integrantes que estavam vivos à época – acabaram falecendo antes do lançamento do disco, inviabilizando qualquer outra formação válida da banda daqui por diante.
O voo rasante de Jade Bird
Por Brunno Lpz
Sobrevoando as misérias humanas de perto, a cantora britânica arrasta suas asas num provável álbum irresistivelmente emocional
Who Wants To Talk About Love?
Essa é a interrogação e o nome do terceiro álbum dessa artista com um timbre que parece um anzol novo atravessando de fora a fora o coração de desavisados que a ouçam por acaso.
Jade Elizabeth Bird, certamente, faz mais do que fazer perguntas. E também faz mais do que as sínteses da crítica, que dessa vez tem observações positivas de Rolling Stone e Pitchfork da vida.
Amante do som e da aparência das palavras, ela compõe encaixando todas essas percepções enquanto se desvia dos rótulos de country de mais e folk de menos. É difícil colocar uma fã de Alanis Morissette numa caixa tão previsível, principalmente após ouvir o escândalo que é ‘Dreams’, uma das quatro faixas disponíveis do novo disco.
É um poder com controle. Ela sabe beirar o enlouquecimento e depois te fazer abrir sorrisos como quem redescobriu a sanidade. Aposta numa sonoridade fluída, empresta elementos daqui e dali e entrega mais do que a modernidade musical merece.
Seus ombros estão descansados por não precisar carregar gêneros para se mostrar relevante e abrir portas que vivem destrancadas ao pop convencional.
Desde ‘Lottery’, seu primeiro single que fez a BBC prestar atenção no que ela tinha a dizer, ela evoluiu na forma de escrever e cantar as próprias autenticidades de uma forma que ninguém no planeta teria a mesma sensibilidade de fazer um cover.
É difícil soar folk, rock alternativo e pop sem parecer que se está atirando para todos os lados. Bird simplesmente acerta. E a única opção possível é cair de amores.
Ou, no caso dela, sair voando.
Que o tempo voe até 18 de julho.
Ouça aqui.
Goo do Sonic Youth faz 35 anos e continua essencial para entender o rock alternativo
Por Bruno Leo Ribeiro
Lançado em 26 de junho de 1990, Goo é um disco barulhento e elegante que ajudou a empurrar o rock alternativo do submundo para o centro da cultura pop.
Eu não seria o que sou sem todos os discos que ouvi na vida. Cada um deles me mudou de alguma maneira. Alguns mais, alguns menos. Alguns pelo contexto. Alguns pela inovação. Alguns por consolidarem meu gosto e outros por mudarem meu gosto. De todas essas mudanças, os que expandem meu gosto são os que mais me lembro com carinho e apreciação.
Graças ao Lado B da MTV Brasil, uma loja de CD e fitinhas dos amigos, conheci e tive contato com o Goo do Sonic Youth. Não sabia nada sobre a banda. Nem a história por trás da sua icônica capa ilustrada. Não sabia que a música que mais gostava tinha o Chuck D do Public Enemy fazendo participação, e nem o que aquelas interpretações da Kim Gordon significavam. Mas aquele som (ou barulheira) me encantou.
Completando 35 anos hoje, esse é um disco que não só mudou a minha vida. Foi um marco. Sem Goo, sem Nevermind do Nirvana. Ele poderia até existir, mas as portas para a sonoridade de guitarra distorcida ser aceita em gravadoras e rádios têm tudo a ver com esse disco. Bandas inúmeras não existiriam. Foi no Goo que o Sonic Youth lançou seu primeiro disco em uma grande gravadora. Coincidentemente ou não, foi a Geffen que também assinou o Nirvana logo depois.
Um dos papéis dos nossos textos aqui do Silêncio no Estúdio sobre clássicos é tentar explicar o contexto e os motivos de um álbum ser importante. Gostando ou não, é sempre bom catalogar esses discos fora da curva. Tanto pra gente pelo menos saber o que acontecia na música nos anos em que os discos foram lançados, quanto para entender como chegamos até aqui.
Quando escutamos “Tunic”, por exemplo, entendemos os sentimentos da época. “Ei, mãe! Estou aqui em cima. Eu finalmente consegui! Estou tocando bateria também! Não fique triste. Essa banda não soa tão ruim”. É com essa energia de liberdade e de irreverência artística que Kim Gordon, Lee Ranaldo, Steve Shelley e Thurston Moore entregam um disco emblemático.
Em “Kool Thing”, o grande hino do disco, com um riff de guitarra que explodiu minha cabeça quando ouvi a primeira vez, há uma participação de Chuck D do Public Enemy. A música faz uma sátira feminista do machismo no rock e no hip hop.
A capa do disco poderia ter uma tese própria. A capa foi criada pelo artista Raymond Pettibon, conhecido por suas ilustrações ligadas à cena punk de Los Angeles, principalmente pelas capas dos discos do Black Flag e flyers da SST Records. A arte da capa é uma ilustração em preto e branco, em estilo de quadrinhos, que mostra um casal em um carro e a frase:
“I stole my sister’s boyfriend. It was all whirlwind, heat, and flash. Within a week we killed my parents and hit the road.”
Em tradução criativa: “Eu roubei o namorado da minha irmã. Foi tiro, porrada e bomba. Em uma semana, matamos meus pais e fomos pra estrada.” Nada pode ser mais punk que isso. Tem sim. A Kim Gordon, além de maravilhosa, tem uma foto famosa usando uma camisa escrita: “As mulheres inventaram o punk, não a Inglaterra”. Rainha!
Voltando para a capa. Ela é uma ilustração baseada em uma fotografia real de 1966, do casal Maureen Hindley e David Smith, que testemunharam em um assassinato brutal. Em 6 de outubro de 1965, David Smith, Maureen Hindley, a irmã de Maureen chamada Myra Hindley e o namorado dela, Ian Brady, estavam juntos após beberem vinho na casa de Maureen. David foi acompanhar o casal até a casa deles e, quando entrou, viu Ian Brady atacar um homem chamado Edward Evans com um machado.
Em choque, David Smith ajudou os assassinos a limpar o local e, com medo de ser envolvido, voltou para casa, contou o que viu para Maureen Hindley e ligou para a polícia. David virou testemunha principal no julgamento, e a foto famosa que virou ilustração do Goo é do casal dentro do carro chegando no tribunal na época do julgamento.
O álbum Goo do Sonic Youth é um marco essencial na história do rock alternativo por vários motivos, tanto musicais quanto simbólicos. Mostrou que uma banda com raízes no punk, no noise rock e no experimentalismo podia alcançar reconhecimento mantendo suas características estéticas. O disco espalhou temas intelectuais, políticos e artísticos que eram pouco discutidos fora do punk e do art rock.
Esse disco não só mudou a minha percepção sobre o rock, como também foi influência direta de bandas como Nirvana, Smashing Pumpkins, Hole, Pixies e My Bloody Valentine. Goo abriu espaço nas rádios e na MTV para um som mais barulhento e distorcido, diferente do hard rock e do pop que dominavam o final dos anos 80. O Goo mostra que rebeldia sonora não precisa ser periférica. Ela pode e deve estar na vitrine, sem perder sua força.
Feliz 35 anos pra essa obra prima do Rock.
Os Lançamentos da Semana: 21 a 27 de junho de 2025
Entre os lançamentos estão Bruce Springsteen, Lorde, Motörhead, aespa, Cravity, fromis_9, H1-Key, Pow, Sharpie Smile, Durand Jones & The Indications, Fishbone, Sodom, Shadow of Intent, Blood Vulture, Deadguy e Heaven Shall Burn.
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Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana