A newsletter dessa semana, traz os posts do silencionoestudio.com.br diretamente pra sua caixa de email. Leia os textos que saíram no nosso site entre 17 e 21 de fevereiro.
A enorme interferência sônica de gueersh
Por Vinicius Cabral
Em seu novo álbum, "interferências na fazendinha", a banda registra em álbum a experiência enérgica, catártica e livre que marca suas apresentações ao vivo.
Preciso primeiro me retratar. 2024 acabou, fechei minha lista dos destaques do ano e uma ausência profunda passou a me atormentar já em 2025, quando me dei conta da gafe. Trata-se do disco novo da banda gueersh. Não só um baita disco como, retroativamente, de longe meu disco favorito do ano passado (entre gringos e nacionais, diga-se).
A banda dispensa apresentações, pois já as fiz neste texto de 2023. E o mais curioso é que, nele, eu disse que a banda ainda tinha um caminho a percorrer para captar, no estúdio, toda a energia explosiva de suas apresentações ao vivo. Pois é. Não tem mais. Gravado quase que inteiramente ao vivo, interferências na fazendinha mostra a banda à vontade, quebrando tudo em um estúdio no meio do mato. Mas engana-se quem pensa que o trabalho é todo formatado pela ideia de improviso ou de jam. Não é apenas isso, e a pedra fundamental para compreender a maluquice sonora da gueersh neste disco parece ser Vaninha Perereca, a canção central, e obra-prima do trabalho.
Com longos 13 minutos e 3 movimentos, a canção aponta para a associação clara com o Krautrock: motorik beat, baixo em loop em cima de uma mesma linha, elementos de guitarra entrando e saindo (criando as tensões que não são nunca progressivas, mas permanentes), etc. Se formos parar pra pensar nos cânones do gênero, como Krautrock (canção da Faust) ou Hallogallo (da Neu!) é possível dizer que há até uma certa rigidez na estrutura daquilo que convencionamos chamar de Krautrock . Certamente, Vaninha Perereca tem algo disso. Mas também tem uma imprevisibilidade maior, fruto, talvez, da essência maluca mesmo (de improviso e risco) que a banda carioca abraça com muita coragem. E isso os associa a outros projetos, que andam adaptando as ideias do Krautrock muito bem a um contexto contemporâneo. Vocês sabem quem são, porque falo muito delas aqui (como por exemplo das chinesas Fazi e Backspace, ou da argentina Winona Riders). Mas não é só de Vaninha Perereca (não me canso de repetir o nome da canção, pois ele me traz um sorriso toda vez) que vive o disco.
Antes mesmo da experiência transcendental da canção (que é apenas a terceira faixa), gueersh nos agracia com uma fábrica de dissonâncias com Brasileirinhe. A canção oferece uma mistura inusitada entre Jards Macalé e Primus (quando era bom), lembrando também aquela maluquice de guitarras que Kurt nos oferece em Milk It (do perfeito In Utero), quando ele parece “catar” aleatoriamente notas de guitarra que claramente não combinam. David e Guilherme, os guitarristas, parecem fazer coisas assim o disco todo – e isso é foda. O disco ainda tem lugar pra canções mais “normais” e cantaroláveis, como Djo Djo Piranha e Marra (o single óbvio, que acabou de ganhar clipe). Mas o que sempre me chama atenção é como as maluquices se concatenam de maneira quase concretista. E isso fica claro também em algumas letras, como na da própria Brasileirinhe:
“Bando de pingola bamba, bora revirar o coco ae / Para de pagar de pango / Solta o cão chupando manga”. Isso cantado de forma quase debochada pela vocalista e tecladista Lívia, é de uma potência absurda.
Por falar em cão, há também o Caxorrin (de “cabelinho punk” e que “deixou todo mundo de queixo caído“), que fecha o disco com chave de ouro. E que baita disco.
Em letra, arranjos e performance, este talvez seja o trabalho mais livre e arriscado que veio ao mundo no rock nacional em 2024. Ou ainda, nos últimos anos, para ser bem honesto. O fato dele ainda não ter tido sua repercussão ideal (se é que terá, pois nossa crítica ainda abaixo da crítica) ainda nos impulsiona a refletir, divulgar e enaltecer o trabalho. Até porque, a gueersh é a banda do Tempo Elástico. O que é a dimensão de um ano perto do que eles andam propondo?
Dito tudo isso, é preciso lembrar que o clima de banda, tão bem captado pela gravação, provavelmente deveu-se ao clima rural em que a banda se meteu de verdade. Gravaram tudo em um estúdio caseiro (chamado Emissor Estúdio), em um sítio de permacultura em um interior do estado do Rio de Janeiro (em Sana, distrito de Macaé). As músicas foram gravadas com todo mundo tocando junto, com um time até grande: o quinteto, com participações especiais eventuais. A ficha técnica está toda lá na página do disco no Bandcamp, e recomendo que ouçam por lá, apoiando a banda se quiserem!
No mais, nunca é tarde divulgar o single de Marra, que ganhou um videoclipe bem legal, abaixo:
Ouça interferências na fazendinha aqui
Ginger Evil, sua nova banda de rock favorita
Por Brunno Lopez
O debute do grupo finlandês refresca o estilo que tentam matar todos os dias.
Uma das coisas mais inteligentes pra se fazer antes de embarcar na audição de um som novo é não se deixar levar pelos rótulos que a própria banda coloca pra se descrever. Assim sofremos menos e aproveitamos mais, desviando o ouvido das possíveis familiaridades de influências que se misturam ao longo das faixas.
Quando ‘Rainmaker’ começa a chover – ou melhor, tocar –, a autodescrição do grupo “De Foo Fighters à Fleetwood Mac” já se desconstrói e isso é positivo para um caralho. O que se percebe é uma atmosfera relativamente contemporânea, com guitarras equilibradas, baixo marcando a cabeça das notas e bateria consistente, tocando pra música.
Os riffs são acessíveis mas o timbre de Tomi Julkunen dá um brilho peculiar para a sonoridade. O dono das seis cordas consegue transitar entre o rock clássico e as palhetadas mais atuais, fazendo com que o som dos quatro juntos não pareça um retalho de gerações. Muito dessa química vem do entrosamento de Julkunen com o baixista Vali Palevaara. Os dois tocam juntos no The Milestones e já se apresentaram ao lado de nomes gigantes como Deep Purple e Whitesnake.
Toni Mustonen é o comandante das baquetas, cadenciando o ritmo para que a estrela máxima, Ella Tepponen, despeje seus poderosos e deliciosos vocais sobre essa camada sonora muito bem amarrada. A cantora é um assombro de performance, sabendo ser melodiosa e agressiva na temperatura que as canções pedem. Uma legítima rockstar, com domínio absoluto de suas cordas vocais.
Pode ser cedo pra dizer, mas ‘Flames’ já vai se aconchegando na prateleira das melhores músicas de 2025 sem medo de ser ameaçada. Seria esse o resultado da produção de Richard Stanley? The Who que o diga. Ele curtiu tanto a pegada do quarteto finlandês que, além de produzir, ainda escreveu letras para o The Way It Burns.
Pra colocar a cereja nesse bolo gelado embrulhado com clássicos do futuro, nada melhor do que masterizar com quem já esculpiu trabalhos de Rammstein, Apocalyptica e Volbeat: o nosso querido indicado ao Grammy, Svante Forsbäck, do Chartmakers.
Isso significa que eles vão ganhar uma premiação? Sinceramente, dane-se – com ênfase em foda-se. Até porque esse tipo de evento dificilmente funciona como um termômetro de qualidade sonora. É mais um desfile de quem paga mais robô no streaming e tem as melhores parcerias com marcas de roupa.
O Ginger Evil é autêntico e espero que as camisetas deles também sejam, porque vou comprar.
Ouça o disco na plataforma que você for mais feliz.
45 anos sem Bon Scott do AC/DC: O frontman que marcou o Rock e deixou legado e saudades.
Por Bruno Leo Ribeiro
Falecido em 19 de fevereiro de 1980, Bon Scott comandou o início do AC/DC e é lembrado por hinos inesquecíveis e sua eletricidade.
Ronald Belford “Bon” Scott nasceu em Forfar, na Escócia, e se mudou aos seis anos de idade para Melbourne, na Austrália. Antes de se tornar a voz marcante do AC/DC, passou por algumas bandas, como The Spektors, The Valentines e Fraternity. Já era um vocalista com grande presença de palco e, segundo rumores, os irmãos Malcolm e Angus Young já cogitavam chamá-lo para a banda. No entanto, mas tem uma versão dessa história bem mais legal.
De acordo com Irene Thornton, ex-esposa de Bon Scott, em agosto de 1974, durante uma turnê do AC/DC com Lou Reed, a banda se apresentou em Adelaide sem um vocalista, tocando versões instrumentais de clássicos do rock. Sob alguma pressão, Bon Scott se ofereceu para cantar e subiu no palco. Os irmãos Young, também escoceses, sentiram uma forte conexão com ele. A eletricidade foi instantânea. O resto é história.
A entrada de Bon Scott trouxe ao AC/DC atitude, carisma e um vocal rouco e agressivo, que se encaixava perfeitamente no som cru da banda. Além disso, suas letras carregavam um tom debochado e irreverente, que se tornaria uma marca registrada do grupo. No início, o AC/DC ainda era uma banda local, tocando em pubs e pequenos clubes. Em 1975, lançaram na Austrália seu disco de estreia, High Voltage.
No final do mesmo ano, lançaram outro álbum, T.N.T., que trouxe pelo menos três hinos máximos do rock: It’s a Long Way to the Top (If You Wanna Rock ’n’ Roll), T.N.T. e The Jack. Já em abril de 1976, a banda finalmente lançou High Voltage no mercado internacional. Esse disco era uma compilação de músicas dos álbuns anteriores, incluindo She’s Got Balls e Little Lover, do High Voltage original, e faixas do T.N.T..
Em 1976, lançaram Dirty Deeds Done Dirt Cheap, com hits como Dirty Deeds Done Dirt Cheap e Problem Child. Curiosamente, esse álbum só foi lançado nos EUA em 1981, quando a banda já estava gigantesca. No ano seguinte, lançaram Let There Be Rock, um álbum mais pesado e agressivo, com menos influência do blues. O grande destaque ficou por conta de Whole Lotta Rosie.
Em 1978, saiu Powerage, que, apesar de não ter tantos hits, é um dos álbuns mais admirados pelos fãs. Já em 1979, a história do rock foi reescrita com o lançamento de Highway to Hell. Produzido pelo renomado Mutt Lange, o álbum trouxe um som mais polido e uma produção refinada, fazendo a banda explodir mundialmente com clássicos como Highway to Hell, Girls Got Rhythm e If You Want Blood (You’ve Got It).
Infelizmente, há exatos 45 anos, Bon Scott faleceu devido a uma intoxicação alcoólica. Sua morte foi um choque e uma tragédia, não apenas para a banda, mas também para os fãs, que guardam com carinho os registros desses seis anos de pura eletricidade. Considerado um dos maiores frontmen da história do rock, Bon Scott deixou um legado de irreverência, carisma, letras provocativas, uma voz inconfundível e uma atitude única.
Mesmo devastados, o AC/DC decidiu seguir em frente e recrutaram Brian Johnson para os vocais e lançaram um álbum de luto e homenagem a Bon. Back in Black (1980) não só se tornou um dos discos mais vendidos da história da música, mas também imortalizou a energia de Bon Scott em cada acorde.
Bon Scott se tornou imortal. Marcou a história do Rock, emocionou e influenciou muita gente. Sua ausência é sentida até hoje, mas, felizmente, temos seus grandes discos para reviver sua genialidade sempre que a saudade bater.
O pensamento crítico dos Manics
Por Márcio Viana
Em novo disco, os galeses do Manic Street Preachers trazem refrões, autoreflexão e um necessário pensamento crítico para lidar com o mundo atual.
Nos últimos anos, não tem sido muito difícil saber o que esperar de um álbum dos Manic Street Preachers, mas há uma coisa no recém-lançado Critical Thinking, não muito fácil de identificar à primeira audição, que o coloca um pouco à frente de seus antecessores desta década.
Talvez um fator seja a presença maior do baixista Nicky Wire como cantor, o que de certo modo libera James Dean Bradfield para encarnar o guitar-hero. Mais autoconfiante depois do lançamento de Intimism, seu disco-solo de 2023, que resenhei aqui, Wire canta as canções que compôs sozinho, mas delega a Bradfield os vocais da canção com teor mais pessoal: Dear Stephen.
O homenageado com esta carta aberta em forma de canção é o ex-cantor dos Smiths, Stephen Patrick Morrissey, de quem Wire ainda guarda um cartão postal recebido na adolescência, com uma mensagem de “fique bem logo”, a pedido da mãe do futuro baixista.
Hoje defendendo ideias bem questionáveis (para ser suave), o cantor é convidado a voltar a ser o que era, se é que um dia foi. Ao longo da canção, este Morrissey hipotético é agraciado com algumas citações de seus versos e uma oportunidade de redenção, que claro, não virá.
A real é que talvez a intenção de Nicky Wire – aqui já dá pra notar que ele tem um protagonismo bem grande nesta fase da banda que divide com Bradfield e o baterista Sean Moore, em um trio desde o desaparecimento de Richey Edwards, há 30 anos – nem seja a de perdoar Morrissey, mas sim o próprio passado, a adolescência e as escolhas.
Mas o disco não é só Dear Stephen, muito pelo contrário. Primeiro que já abre com a faixa título, de autoria de Wire e emulando uma new wave suingada com letra incentivadora sem ser piegas (ok, até que é um pouco piegas).
Em seguida, vem Decline & Fall, com aquele estilo que mescla indie com rockão de arena, que faz a banda ter alguns dos refrões mais cantaroláveis da música pop.
Being Baptised consegue a façanha de ser ainda mais Smiths do que a canção que literalmente fala de um ex-Smiths.
Além destas, há muitos pontos altos no disco, como People Ruin Paintings, e OneManMilitia, que encerra o disco com versos matadores como “I don't know what I am for but I know what I am against”.
Pode ser cedo ainda para tratar Critical Thinking como um clássico contemporâneo, mas se eu ainda não posso dizer isso, posso dizer que os Manics finalmente fizeram um disco que há muito tempo eu esperava que fizessem.
Ouça Critical Thinking na sua plataforma favorita.
Ouça o nosso episódio #101, sobre o sumiço de Richey Edwards, dos Manic Street Preachers.
Confira os lançamentos da semana de 15 a 21 de fevereiro de 2025 no nosso site.
https://silencionoestudio.com.br/lancamentos-da-semana-15-a-21-de-fevereiro-de-2025/
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Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana