Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana, nosso time destaca as principais notícias, curiosidades, acontecimentos relevantes e/ou inusitados do mundo da música ou, simplesmente, alguma curiosidade ou indicação. Claro que, cada um à sua maneira, e abordando sempre o universo musical de sua predileção.
NOTÍCIAS & VARIEDADES
Por Vinícius Cabral
VAI-SE UM BRASIL
Das ironias que não têm a menor graça. Um incêndio levou nosso incendiário José Celso Martinez Corrêa na última semana. Um cara que botou fogo no cú dos milicos na ditadura, para anos depois, após ver a mesma classe tomar o Brasil de assalto, dizer que temos que ponderar o processo. Afinal, “todo mundo tem cú", que serve para “cagar, e fazer outras coisas".
A fala recente, encontrada no filme Antena da Raça, de Paloma Rocha e Luís Abramo, poderia ser interpretada como um recuo covarde diante da ascensão do autoritarismo no país. Mas o que vivemos atualmente não é propriamente uma ascensão (sempre fomos autoritários), e Zé Celso, genial como sempre, botou o cú dos milicos na roda de novo. Quem tem um Zé Celso para apontar dedos e gritar contra a autoridade burguesa sempre terá uma arma.
Este é o problema. Não temos mais um Zé Celso. Não temos mais um Glauber, um Oswald, uma Tarsila, uma Rita. Antenas da raça captando a essência de um Brasil antropofágico, rebelde e insubmisso. Aceitamos a produção de polarizações artificiais sem consciência de classe e raça. Sem a visão de um Brasil contraditório, cheio de camadas, mas que se une na mestiçagem revolucionária de um povo miserável e rico, submisso e místico, rebelde e festeiro.
Nossa guerra de classes se manifesta na festa insubmissa dos terreiros (um país da macumba, não da ópera). Nos autores europeus de vanguarda despidos (literalmente) de suas camadas intelectuais-civilizadas, tendo seus cús arrombados no palco. Porque a antropofagia é um ato cultural e político. Em suas próprias palavras:
"O que importa é o ponto de vista de classe: quem está por baixo, quem está por cima. Veja bem: o Brasil é um país que tem 500 anos de exploração em cima. Uma história de exploração em cima de milhões de pessoas. Isto é cultura: a resistência dessas pessoas"
Se a resistência é este ato político, a era das desilusões e da desintegração cognitiva da luta de classes tem transformado o substantivo (já tão gasto) em um mero cisco de esperança no fluxo ininterrupto das redes. A resistência de Zé Celso, e deste Brasil explorado à exaustão, passa pela imposição dos corpos no espaço público. Passa pela performance da dor, do grito e da esperança. Passa por se colocar em uma rua (ou em um palco) com o peito estufado e o olhar altivo para o horizonte. É difícil calar o movimento de corpos artisticamente insubmissos. E o teatro de Zé Celso se manifestou no encontro, na presença e no movimento.
Que o seu legado nos faça dançar novamente sobre os escombros da arrogância ocidental, sabendo que por estas terras tudo é engolido, dessacralizado, e transformado em um ritual profano de antropofagia transcendental.
Que Zé Celso realmente esteja presente quando decidirmos recuperar nossa rebeldia.
Por Márcio Viana
VOCÊ PODE ATÉ DIZER QUE EU TÔ POR FORA
Bem que eu tentei passar batido pela propaganda que foi tema central das discussões nas redes durante a semana, e não vou negar uma certa culpa de ocupar essas linhas com um papo que talvez já tenha se esgotado. Mas vamos lá dar alguns tostões de opinião sobre a empreitada.
Entre os dedos apontados sobre a questão, muito foi dito sobre engajamento e sobre como repercussão ruim também pode ser positiva para a marca, mas talvez a gente esteja superestimando o poder das redes no sentido de imaginar que alguém vá ver um tweet e pensar “meu Deus, tá me dando uma vontade de comprar uma Kombi”.
Outra coisa muito comentada foi a escolha da canção para representar o reencontro sobrenatural de mãe e filha pela estrada. Como Nossos Pais é uma música de desilusão e versa sobre como tudo deu errado, e não há carro movido a fonte renovável de energia que vá dar jeito nisso. Achei engraçada a reação de gente emocionada dizendo que o autor da canção provavelmente autorizaria o seu uso, porque tinha dívidas. Olha, eu acho que um cara que larga um carro estacionado num aeroporto, abandona a carreira e desaparece por anos até o fim da vida não estava lá muito empenhado em honrar dívidas, mas tudo bem.
Pra completar, fico sabendo que o filho da cantora, produtor, considerou a propaganda um sucesso e já cogita realizar apresentações com a imagem dela em 3D, se valendo da hypada inteligência artificial que todo mundo já ama e pouca gente ainda sabe exatamente para que serve e ninguém vem rigorosamente definindo qual o seu limite.
Em tempo: para todos os efeitos, resolvi não citar os nomes dos artistas envolvidos. É que tudo me soa genérico.
Por Bruno Leo Ribeiro
FALA MAIS, TAYLOR
Pros fãs mais antigos da Taylor Swift, provavelmente o Speak Now era a versão da regravação mais aguardada. Talvez por ele ser polido demais e vamo combinar, ela era bem mais nova. Agora com muito mais experiência e sem pressão de ter que consolidade o sucesso, chegou o Speak Now (Taylor’s Version).
Esse 3º álbum da carreira dela, foi o que realmente fez ela mostrar que tinha potencial para ser gigante. O Fearless, disco anterior, tinha vendido mais de 10M de cópias e ganhou disco do ano no Grammy Awards. Aí em 2010 ela fez um disco de um jeito diferente. Sem parceiros de composição, ela agora hablou tudo. Falou sobre a vida, sobre a vida criativa e sobre a vida romântica.
Na nova versão, ela escreve, “Eu decidi que escreveria esse disco inteiro sozinha. Eu percebi que ninguém poderia dar créditos pra outras pessoas se elas não fizessem parte do processo. Tinha que ser bom. Se não fosse, iria provar que meus críticos estavam certos”. Bem, muito se dizia que era não era capaz de fazer essas músicas com vinte e poucos anos etc e tals. Mas isso é uma bobagem. Grandes bandas e artistas fazem coisas excelentes bem mais novos. Essa coisa da idade na música já acabou faz tempo.
No geral, a versão nova tá com um pouco menos de verniz na produção e teve uma pequena mudança de letra na música que ela colocou um tênis da Vans pra regravar. Better Than Revenge, poderia ser muito bem uma música do Paramore. Um Pop Punk delicioso e cheio de energia. A revisão de texto na letra de Better Than Revenge acaba passando pelo mesmo caso de Misery Business (até pararam de tocar ao vivo por um tempo e etc) do próprio Paramore, que traz na letra uma misoginia institucionalizada falando mal da “outra”.
Na letra, Taylor dizia, “Ela é mais conhecida pelo que ela faz na cama” (Ouch). Agora a letra manteve o conceito e mudou a execução, “Ele tem os lábios de fogo e ela está segurando o palito de fósforo”. Vi gente reclamando e eu acho que ela tem todo o direito de achar que passou do ponto e revisar suas letras. Esse é o momento. A vida evolui e a gente muda. Acho honesto.
O disco segue super bacana, não é dos meus favoritos dela, mas gostei do que ouvi. A bateria tá bem melhor gravada e mixada. Mas ainda tem um pouco mais de compressão que eu gostaria. No mais, Long Live, The Story of Us e Mean, são os grandes destaques pessoalmente pra mim. E como aconteceu no Fearless e no Red, a nova versão veio com algumas músicas não lançadas na época. Algumas em parceria com o Aaron Dressner e outras com o Jack Antonoff (chega!), nada realmente me emocionou, mas vale o play. Mas deixou a desejar, até mesmo a música Castles Crumbling com participação da Hayley Williams do Paramore.
Bem, tudo pra Taylor é muito bem pensado. Então fica aqui toda essa amarração de conceito, participações e ajustes. Agora faltam bem menos Taylor’s Versions pra sair. Vamos aguardar.
Por Brunno Lopez
GENTE JOVEM REUNIDA (FAZENDO COISA DE JOVEM)
Márcio Vianna já explanou com absoluta propriedade sobre o tema que trouxe lágrimas e desespero aos adoradores de Volkswagem. Na toada de resgatar canções e artistas do passado, a cena publicitária saudosista(?) formada por jovens formados na Miami Ad School ou no Instituto Universal Brasileiro vislumbra a reminiscência ignorando a coerência pois tem na manga o trunfo de uma sociedade que não lê, mas adora uma saudade.
Com o filtro certo, direção de cena e um discurso tão enfeitado quanto uma Kombi jamaicana num GTA V, as emoções de lembrança são todas desenhadas para fazer o passado ser uma coisa que não foi, ao menos num contexto de narrativa.
Direitos autorais permitem ilusões audiovisuais em nome de prêmios ou promessa de vendas, mas a que preço? Custa uma história contada pela lente preto-e-branco de uma verdade que não se enquadra no presente? Chama a atenção mas faz colocar mais a mão no bolso do que na consciência?
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e sobrevivemos como nossos pais criados pela inteligência artificial. Eles são como o bom senso: não existem.
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana