Newsletter - Silêncio no Estúdio Vol. 172
07 de novembro de 2022
Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. A newsletter desta semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele "gostinho" de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!
IT'S A CLASSIC
Por Bruno Leo Ribeiro
TUDO PRECISA SEGUIR
Na segunda-feira, dia 7 de novembro (dia desta newsletter) assistirei pela primeira vez o Manic Street Preachers. De bônus ainda vai ter Suede pra completar a noite Brit Pop aqui em San Francisco. Um momento pra viajar no tempo e ir direto pro meio dos anos 90.
O Manic Street Preachers é o nosso "Norvana" aqui do Silêncio no Estúdio. É uma banda que todos nós gostamos e falamos sempre que dá. Fizemos até um episódio sobre o Sumiço do Richey Edwards, guitarrista da banda que desapareceu e nunca foi encontrado e contamos um pouco da história da banda e como ela foi e ainda é importante.
Talvez o grande auge da banda foi com a trilogia de discos The Holy Bible de 94 (ainda com o Richey Edwards na banda) o Everything Must Go de 1996 e o This Is My Truth Tell Me Yours de 1998. Mas no caso do Manic Street Preachers, o segundo disco dessa trilogia é o que mais gosto. É igual a trilogia dos Senhor dos Anéis, onde o Duas Torres é o melhor dos 3 filmes.
Além de talvez ser o melhor disco da banda em toda sua discografia, o Everything Must Go vem com uma ruptura no som da banda. Enquanto o The Holy Bible ainda tem aquele toque de Punk e instrumental mais mínimo, o Everything Must Go vem quase como um disco de Wall of Sound. Com instrumentos, camadas, melodias mais melancólicas e uma instrumentação bem mais sofisticada.
A banda que tem em suas letras ideias de esquerda com cartilhas socialistas com tudo que tem direito, veio com um tom mais sombrio, quase de despedida pro Richey Edwards, onde o tema do disco até faz um ode à vida que precisa continuar. A gente sofre e segue com nossas memórias tentando melhorar.
A banda nunca quis voltar a ser um quarteto, e talvez por sua admiração ao Rush (o baixista Nick Wire é assumidamente um fã), o Power Trio depois do sumiço do Edwards fez muito bem pra banda. A banda tem uma carreira bem consistente, com discos sempre gostosos de ouvir, mas no Everything Must Go, a banda chegou ao seu melhor. Experimentando e chegando naquilo que eles seguiram fazendo até hoje.
O Manic Street Preachers é uma banda pra se apreciar com calma, ouvindo seus detalhes e melodias e vocais quase de Hard Rock do James Dean Bradfield, ler com muito carinho as letras do baixista Nick Wire e seguindo os ritmos mínimos do ótimo baterista Sean Moore.
Ouçam o Manic e o Everything Must Go junto comigo. Tem duas semanas que estou escutando toda a discografia pra me preparar melhor para o show de mais tarde. Não vejo a hora de viajar no tempo e lembrar dos meus 15 anos quando ouvir A Design For Life pela primeira vez na MTV no Lado B com o grande Fábio Massari. Vem comigo pro mundo do Manic Street Preachers.
Ouça aqui o já clássico Everything Must Go
Por Vinícius Cabral
A INFAME OBRA DODE(CACO)FÔNICA DE ARRIGO
Arrigo Barnabé provavelmente detestaria o título deste texto. Jogaria tomates em mim, ou algo do tipo. Mesmo que eu tenha feito um trocadilho. Não deve ter graça pro artista ficar explicando porque as canções de seu clássico Clara Crocodilo não são dodecafônicas.
Para ser preciso, então, reproduzindo suas próprias palavras, apenas a canção Office Boy é parcialmente dodecafônica. No resto do álbum o que se ouve são estruturas modulares seriais conduzidas pelo piano. Para quem tá boiando, ou achando que estou falando russo, o dodecafonismo é uma técnica que consiste em apresentar uma sequência de 12 notas, sem repetições, podendo apenas uma nota ser repetida ao longo da peça, após toda a série de 12 ter sido apresentada. Meio complicado, né? Mas é o que se ouve em canções de Arrigo, como Office Boy e Canção dos Vagalumes, eternizada por Tetê Espíndola.
Justiça seja feita, Clara Crocodilo não é uma ópera dodecafônica. Mas é cacofônica, caótica, imprecisa, absurda. Arrigo introduz aqui suas modulações harmônicas bagunçadas (meio anti-pop mesmo), explodindo a história da música brasileira com uma série de canções que propuseram uma ousada infiltração da música erudita na música popular.
E tinha algo de muito popular ali, naquele clássico controverso de 1980. Não à toa, diversas pessoas associam a meteórica chegada da Blitz às paradas pop brasileiras com uma apropriação das principais ideias lançadas por Arrigo em sua obra. Claro que a Blitz estava longe de flertar com o eruditismo, mas capturou a performance inovadora de Arrigo Barnabé e A Banda Sabor de Veneno: as declamações de um cantor, simulando uma narração radiofônica, acompanhadas por um coro feminino melódico (em diálogo narrativo com a voz principal). Toda a dinâmica das canções de Clara Crocodilo, que se reproduziam brilhantemente nos palcos, pode sim ter servido de inspiração para o grupo pop carioca.
Mas essa é só uma pequena anedota, diante do impacto maior desta obra. O disco é experimental, por vezes até incômodo. Impossível de ser ignorado. O que se destaca para além dos malabarismos atonais, técnicos demais para que mesmo eu consiga descrever, é uma narrativa espetacular.
Totalmente influenciado pelos quadrinhos (até pelos mais populares, como Homem Aranha, já disse o próprio Arrigo), o álbum conta a história de Durango, um office boy precarizado - alô alô 2022. Ao ver uma ex-namorada na televisão, Durango decide tirar uma grana extra para tentar enriquecer e ganhar uma moral com a ex-namorada (que era uma simples caixa de supermercado, e agora desfila na TV como vedete). O office boy vê um anúncio no jornal: uma multinacional está remunerando cobaias humanas em um experimento científico. Mas o pobre trabalhador não fica rico, nem termina com a garota. Ao invés disso, vira um assustador híbrido de homem (ou agora, mulher?) e réptil: Clara Crocodilo. Uma narrativa pop, em um sentido altamente marginal. Brasileira, até o talo. Embalada, é claro, por uma sonoridade acachapante e única.
A erudição das canções deste disco é irremediável. Cria esta contradição entre o universo narrativo pop dos quadrinhos, do rádio, da televisão e do cinema (sobretudo do cinema marginal paulistano), e a música erudita. Expande o próprio conceito de vanguarda, a partir daquilo que se convencionou chamar de Vanguarda Paulista. Movimento que nos trouxe outros expoentes absolutamente geniais, mas menos experimentais musicalmente, como Itamar Assumpção, Tetê e Alzira Espíndola, Premeditando o Breque, entre muitos outros.
Em um momento em que tem sido muito importante olhar para a história brasileira, em busca daquilo que já fizemos de melhor, Clara Crocodilo é peça fundamental.
O Brasil, afinal, é foda. E o radical cientista sonoro Arrigo Barnabé não me deixa mentir.
Por Márcio Viana
ADENTRANDO UM SUB-REINO
Uma das vantagens de não se conhecer tudo de música é sempre ter alguma descoberta de um clássico, digamos, “perdido” para apreciar.
Muito por acaso, na verdade procurando informações sobre um álbum icônico da psicodelia recifense, Paêbirú, de Lula Côrtes e Zé Ramalho, tomei conhecimento de outro clássico do segmento local, No Sub Reino Dos Metazoários, do poeta e compositor Marconi Notaro, lançado em 1973.
Com participação dos músicos, que dois anos depois fariam o clássico citado acima, o disco tem dez faixas em que somos apresentados a um caminho poético-musical com letras cheias de boas sacadas, a começar por Desmantelado, saga em ritmo de samba que trata da história de um jogador de bilhar viciado na bola 8, que escova os dentes com cerveja e se o taco fosse caneta, estaria formado.
Em Não Tenho Imaginação Pra Mudar De Mulher, o artista lida com a ansiedade em versos como “eu não queria nem nascer se não nascesse pra você” e “eu vou organizar um plebiscito, se disser não, eu não me cito”.
O som é uma miscelânea gravada com os recursos da época, mas não se engane achando que a qualidade da gravação seja apenas por falta de recursos: o disco é naturalmente cru, e assim o é também para representar o seu lugar no movimento Udigrudi, outro símbolo da cultura recifense dos anos 70.
Além dos citados Lula e Zé, o disco tem a participação do onipresente Robertinho de Recife, o que obviamente acrescenta e muito na visceralidade do álbum, especialmente em faixas como Made in PB, parceria de Marconi e Zé Ramalho.
Disco fundamental para entender o movimento e aguçar nossa curiosidade. Como é bom não saber tudo e sempre ter o que aprender!
Ouça No Sub Reino dos Metazoários aqui
Por Brunno Lopez
DA MINHA VIDA CUIDO EU
Ninguém poderia imaginar que o fim do Luxúria poderia criar uma carreira solo de um bom gosto tão refinado. Foi assim que Megh Stock explorou horizontes mais densos de sua criatividade em seu primeiro ato solo “Da Minha Vida Cuido Eu”.
Após o sucesso meteórico da banda entre 2005 e 2008, a cantora surpreende graciosamente com um trabalho impecável, distribuindo suas letras e melodias para além do rock convencional.
A produção impressiona e é um pouco decepcionante que tal obra não tenha ocupado os holofotes dos grandes discos da época. Um audição rápida já constata que se trata de um disco primoroso, com reflexões que vão da diversão à melancolia, guiadas pelo timbre envolvente e poderoso de Megh.
Um clássico naturalmente brilhante ofuscado pelo mainstream preguiçoso de anos atrás mas que ressurge com força sempre que lembrado.
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana